Estava ali no sofá, Coca-cola numa mão, controle
remoto na outra, quando dei de cara com a lua, na TV Cultura. Uma voz seríssima
- como convém aos narradores de documentários - perguntava: “de onde terá
vindo?”
Ora, até aquele momento, eu pensava que a lua não tivesse vindo
de lugar nenhum, simplesmente girasse ao nosso redor, des’que o mundo é mundo, a
influenciar marés e poetas bissextos. Pois o homem disse que não. Houve uma
época em que toda noite era escura, não havia marés nem poetas bissextos e a
Terra rodava em torno do sol, desnuda de seu satélite natural.
“E aí?! E
aí?!”, perguntei-me, angustiado em meu sofá, como se perdido no breu das noites
primevas. Bem, não se sabe exatamente. Ou vários pedregulhos que estavam vagando
por perto - serragem da criação do Sistema Solar - acabaram se aglomerando e
formando a lua, ou, o que é mais provável, ela é um naco da Terra, arrancado
pelo impacto de um asteróide. E esse naco, antes disforme, girou por tanto tempo
à nossa volta que acabou redondo, “como um caco de vidro à beira mar.” –
palavras do narrador.
Uma das missões do programa Apolo era descobrir do
que a lua era feita e, assim, provar uma das teorias. Se fosse sangue do nosso
sangue, seria filha do impacto. Se feita de serragem do sistema solar, a
hipótese do aglomerado vencia. Pois Neil Armstrong e seus colegas trouxeram
todos os pedregulhos que couberam nos porta-malas do módulo lunar, os cientistas
da NASA analisaram tudo com seus aparelhos e, no fim, vieram a público dizer
que, bem, não haviam chegado a uma conclusão. A lua era parecida demais conosco
para negarmos que fosse nossa costela, mas diferente o suficiente para
suspeitarmos que, bem, talvez não fosse.
O mais incrível, contudo, o
homem de voz grave deixou para o final. Em 1969, os astronautas deixaram em solo
lunar um quadradinho de cristal, menor do que uma carta de baralho. Toda noite,
desde então, num vilarejo do Texas, um sujeito chamado Phil pega sua bicicleta,
pedala até o topo de uma colina e puxa o gatilho de um enorme canhão de laser,
mirando bem no meio do quadradinho. O laser bate lá, volta à Terra e Phil anota
quanto tempo demorou. A cada dia, o raio demora mais para voltar, o que prova
algo que os cientistas já desconfiavam: atraída pelo sol, a lua se afasta de
nós, 1,89 cm por ano. Um dia, ela estará tão próxima ao sol que será engolida
pelas chamas.
Terminado o documentário, eu estava melancólico como o
diabo. No fim das contas, a lua se parece muito com outra coisa, que sabemos do
que é feita, não exatamente como surgiu e só podemos afirmar com certeza que um
dia acabará. Enquanto isso, brilha - dirá o poeta bissexto. Algumas noites,
algumas noites...
"...Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de
esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e
descubra o próprio jardim..."
"...A folha se descobriu a perder a cor, a ficar cada vez mais frágil. Havia sempre
frio e a neve pesava sobre ela.E
quando amanheceu veio o vento que arrancou a folha de seu galho. Não doeu. Ela
sentiu que flutuava no ar, muito serena.E,
enquanto caía, ela viu a árvore inteira pela primeira vez.
Como era forte e firme! Teve certeza de que a
árvore viveria por muito tempo, compreendeu que fora parte de sua vida. E isso
deixou-a orgulhosa.
A folha pousou num monte de neve. Estava macio,
até mesmo aconchegante. Naquela nova posição, a folha estava mais confortável do
que jamais se sentira. Ela fechou os olhos e adormeceu. Não sabia que a folha
que fora, seca e aparentemente inútil, se ajuntaria com água e serviria para
tornar a árvore mais forte. E, principalmente, não sabia que ali, na árvore e no
solo, já havia planos para novas folhas na primavera."