1 de maio de 2013

Biblioteca Amorosa

Adorei esta crônica de Carpinejar. Um dia, quero testar isso!
 
 
 
Os adultos deveriam ler um pra o outro.

Antes de dormir, eu e Juliana não nos isolamos em nossos próprios livros. Não nos separamos em obras diferentes.

Pego um romance que interessa aos dois, ela deita em meu colo e vou lendo até que as páginas se transformem em cílios. Preciso adivinhar o momento em que ela apaga para continuar no dia seguinte. Marco um singelo colchete de lápis e sigo o passeio da paixão durante a semana.

Ela sonha com a minha voz, eu misturo o cheiro de sua pele ao papel. Ambos estão conectados em caso de pesadelo.

É o nosso rivotril, o nosso lexotan. A leitura acalma e organiza as experiências.

Não abdicamos do luxo da narração. A língua renova os dentes e as letras voam pelo quarto.

Depois de um livro lido a dois, todo casal dormirá abraçado o resto da madrugada, não se soltará, será íntimo do pensamento. É terapia de família, é natação dos olhos, é massagem nos ouvidos.

A leitura cuida da alma da voz. É uma transfusão de alma. Não nos defendemos. Não nos armaremos, estaremos disponíveis ao acaso do enredo e da intensidade do inesperado. Formamos a união feroz das nossas fragilidades.

Bonito quando ela pede para repetir, bonito quando alongo a pausa para espiar se ela cochilou, bonito que ela se emociona e perde o sono com alguns autores, bonito que me encabulo ao recitar trechos e a descrição se torna exageradamente embargada. Bonita que é bonita que é bonita a nossa cumplicidade.

A partir dos personagens, surgem observações sobre amigos, assuntos do trabalho, bagunças da memória, lembranças extraviadas. No fim, forramos os volumes com nossos desejos e nos conhecemos mais.

O livro é o nosso bar, nosso balcão, nosso restaurante.

O gesto cria arrebatado discernimento. Percebo o quanto a solidão fortalece o que aprendemos a dois.

Não é possível se conhecer para amar. É o contrário. Só posso me conhecer ao amar. Ela é que me ensina a me amar — não é algo que faria sozinho.

Eu me amo admirando seu amor por mim. Eu vou copiando o amor que ela me dá.
Avançamos trinta páginas por noite. Mas vários capítulos em nossa relação.

Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira

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