Adorei esta crônica de Carpinejar. Um dia, quero testar isso!
Os adultos deveriam ler um pra o outro.
Antes de dormir, eu e Juliana não nos isolamos
em nossos próprios livros. Não nos separamos em obras diferentes.
Pego um romance que interessa aos dois, ela
deita em meu colo e vou lendo até que as páginas se transformem em cílios.
Preciso adivinhar o momento em que ela apaga para continuar no dia seguinte.
Marco um singelo colchete de lápis e sigo o passeio da paixão durante a
semana.
Ela sonha com a minha voz, eu misturo o cheiro
de sua pele ao papel. Ambos estão conectados em caso de pesadelo.
É o nosso rivotril, o nosso lexotan. A leitura
acalma e organiza as experiências.
Não abdicamos do luxo da narração. A língua
renova os dentes e as letras voam pelo quarto.
Depois de um livro lido a dois, todo casal
dormirá abraçado o resto da madrugada, não se soltará, será íntimo do
pensamento. É terapia de família, é natação dos olhos, é massagem nos
ouvidos.
A leitura cuida da alma da voz. É uma
transfusão de alma. Não nos defendemos. Não nos armaremos, estaremos disponíveis
ao acaso do enredo e da intensidade do inesperado. Formamos a união feroz das
nossas fragilidades.
Bonito quando ela pede para repetir, bonito
quando alongo a pausa para espiar se ela cochilou, bonito que ela se emociona e
perde o sono com alguns autores, bonito que me encabulo ao recitar trechos e a
descrição se torna exageradamente embargada. Bonita que é bonita que é bonita a
nossa cumplicidade.
A partir dos personagens, surgem observações
sobre amigos, assuntos do trabalho, bagunças da memória, lembranças extraviadas.
No fim, forramos os volumes com nossos desejos e nos conhecemos mais.
O livro é o nosso bar, nosso balcão, nosso
restaurante.
O gesto cria arrebatado discernimento. Percebo
o quanto a solidão fortalece o que aprendemos a dois.
Não é possível se conhecer para amar. É o
contrário. Só posso me conhecer ao amar. Ela é que me ensina a me amar — não é
algo que faria sozinho.
Eu me amo admirando seu amor por mim. Eu vou
copiando o amor que ela me dá.
Avançamos trinta páginas por noite. Mas vários
capítulos em nossa relação.Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
Também adorei a crônica!
ResponderExcluirMatheus.